"Tamerlão, um poderoso rei assírio dos séculos passados, era um soberano muito cheio de si e cônscio das deferências de que se julgava credor por parte de todos os súbditos.
Ele tinha uma particularidade física notável: um grande e monstruoso nariz, o que muito o aborrecia!
Por isso, jamais tinha-se deixado retratar.
Quando, porém, já estava velho, seu filho e sucessor, preocupado com a possível ausência da efígie do pai na galeria real, tanto instou que conseguiu dele a anuência em se deixar retratar. O monarca estabeleceu uma condição: só aceitaria o retrato, como sua estampa oficial, se encontrasse um artista que o pintasse a contento (naquele tempo os retratos eram feitos por pintores), e os artistas que não o agradassem seriam executados, conforme era tradição.
Aceite a condição, editais foram espalhados por todo o reino, convocando os artistas para a importante e temerária tarefa.
Não obstante o risco, três se apresentaram, para tentar o que seria a suprema obra de suas vidas, justamente os três melhores mestres da arte pictórica do reino.
O primeiro retratou o monarca tal e qual, com o narigão deformado e tudo. O rei, vendo o quadro acabado, embora admirando o génio artístico, enfureceu-se com a figura horrenda e mandou decapitar o infeliz artista.
Veio o segundo e, temeroso, pintou o rei também fielmente, com excepção do aberrante apêndice nasal, em cujo lugar colocou irrepreensível nariz.
O soberano, sentindo-se ridicularizado, assinou igualmente a pena capital do segundo, sem comiseração.
Chegou, então, a vez do terceiro, o qual, habilidoso, conhecendo a paixão do rei pela caça, retratou-o portando uma carabina, a atirar numa raposa.
E a coronha da arma tapava-lhe justamente o nariz.
Vendo o resultado do trabalho, o monarca sorriu satisfeito e recompensou-o generosamente.
A lenda serve para ilustrar as três atitudes mais comuns em relação à verdade: A primeira é a franqueza rude, contundente, que não hesita em expor toda a realidade dos factos, doa a quem doer. Os partidários dessa atitude podem revelar o mérito da coragem e do desinteresse, mas tiram nota zero em relações humanas.
A segunda é a hipocrisia interesseira. Os deste grupo podem revelar inteligência e ingenuidade para distorcer os factos a fim de agradar aqueles a quem desejam conquistar.
A terceira, a ideal, é a dos partidários do que podemos chamar de "verdade construtiva", evidenciando o que é útil, edificante, e desfocando os aspectos menos agradáveis da vida do próximo.
Peçamos a Deus que nos ensine a todos a grande ciência da convivência pacífica e solidária, de modo a que a nossa verdade não seja nem bisturi impiedoso que fere indiscriminadamente, nem a lantejoula da lisonja que bajula por fins escusos.
Sejamos os discípulos do bem, que evitam focalizar as falhas, trabalhando discretamente por suprimi-las."
A palavra 'sincera' foi inventada pelos romanos.
Eles fabricavam certos vasos de uma cera especial.
Essa cera era, às vezes, tão pura e perfeita que os vasos tornavam-se transparentes.
Nalguns casos, chegava-se a distinguir um objecto, um colar, uma pulseira que estivesse colocado no interior do vaso.
Para o vaso assim, fino e límpido, dizia o romano vaidoso:
- Como é lindo! Parece até que não tem cera!
"Sine cera" queria dizer "sem cera", uma qualidade de vaso perfeito, finíssimo, delicado, que deixava ver através das suas paredes e da antiga cerâmica romana.
O vocábulo passou a ter um significado muito mais elevado.
Sincero, é aquele que é franco, leal, verdadeiro, que não oculta, que não usa disfarces, malícias ou dissimulações.
O sincero, à semelhança do vaso, deixa ver através das suas palavras os nobres sentimentos de seu coração.
Sincera é uma palavra doce e confiável, é uma palavra que acolhe... E essa é uma palavra que deveria estar no vocabulário de toda a alma.
Malba Taham
* Destino
* FoodScapes - Absolutament...
* Escrever a Vida em Capítu...